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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Nossa Senhora dos Tristes


                                                    Desenho Digital: Intervenção na Imagem
                                                                  Valéria Á. Cerqueira




           São Francisco de Assis* em suas andanças pastoris, levou-me à inspiração deste madrigal sacro... Encontrei Nossa Senhora na beira do rio, lavando os paninhos do seu Bento filho. A Senhora cantava baixinho e a dor escorria junto com a água turva da tina. Não tinha letra a canção, só plangente melodia, que Maria sussurrava. São José assoviava acompanhando a sinfonia; Maria murmurava e o menino ouvia.  Água vai, água vem cristalina das terras de Belém, lavando os pés do pastor... Nasceu Nosso Senhor!
         Eu olhava a espuma branca que no arroio fluía.
         O manto azul da Virgem a pele alva encobria, a veste branca de luz adornava a escuridão. No céu brilhava a estrela guia... O anjo Gabriel vigiava a Sagrada família, o carneirinho repousava no chão, ao pequeno a lã cedia. Maria devia saber: nunca antes do tempo...
         Eu via a água verter enquanto o menino dormia: corria a água no rosto, a dos olhos de Maria...
         O pai entalhava um tronco; a mãe entoava um canto. Num canto o pequeno dormia. A cantiga era tão triste, a que o vento trazia, enquanto Maria batia a roupa na ribeirinha. A Senhora lavava e São José estendia o pouco de pano que havia... Senhora da Humildade! Bem sei que ela me ouvia! A água benta escorria, refrigério em minha mão... Virgem da Consolação!
         O vento forte secava a manta surrada e fina, o sol aquecia a estrada e o jumentinho pastava na relva luzidia. E o menino sonhava, e o menino comia. Ele inocente do encargo, do fado que trazia. Por certo se abstinha de ocupar a mãe aflita; doída de presságios... Sofrimento... Maria devia saber: nunca antes do tempo...
         Nossa Senhora das Lágrimas! Virgem da Abadia! Lava meu coração!

         Depois de ajudar Maria, São José buscava gravetos, para acender a fogueira, temendo uma noite fria. Cobria de palha o berço, para aquecer a criança, porque o que lhe restava era cuidar da vida. Não tinha outra lembrança, senão a fuga do Egito, para salvar o Bento filho... O carpinteiro nem tinha madeira para acolher o Sagrado Jesus.
        A Sagrada família se abrigava no Presépio, morada das criaturas... Tão efêmera tarde que a agonia encobria o que estava por vir. Nossa Senhora da Esperança acaricia os anéis dos cachos da criança e sente a coroa de espinhos! Nossa Senhora das Chagas! Nossa Senhora do Livramento! Maria devia saber: nunca antes do tempo...

        Nossa Senhora bordava... Nossa Senhora cosia... Bordava estrelas na noite enquanto ninava o menino na humilde estrebaria. Mãe intemerata enquanto trabalha, vigia... A jovem mãe confiava mudar o destino atroz:: quase sem voz pedia:
        - Senhor, ele é apenas um menino!
E Deus respondia:
       - A humanidade o algoz! Maria!... Devia saber: nunca antes do tempo...
        Mas ela já sabe da cruz!
        Sim, a pobre mãe já sabia... Nossa Senhora das Dores! O calvário antevia...         
        Vi três Reis Magos com presentes confiados a Maria. Incenso, mirra, ouro que a jovem recebeu na lapa escura. E não tinha onde guardar, nem sabia a serventia. E tudo trocaria pela certeza de paz e da vida do filho.
        São Francisco era o pastor que mansamente conduzia os bichinhos: o carneirinho balia, o boi e a vaca mugiam e o cachorro latia. Ele ordenava, com aptidão e bondade e os bichos se calavam, para não assustar o menino. E os animais viviam para servir de agasalho e companhia. A cigarra ciciava, o grilo guizalhava, o beija-flor trissava. O menino balbuciava e ria....
        Como toda mãe, lá ia Nossa Senhora cozendo, limpando o mundo. E o menino crescendo... Lá ia Jesus Cristinho, brincando pelo caminho, colecionando pedrinhas, como qualquer garotinho... Ia o pai, ia também a mãe e o pacato jumentinho. Lá ia correndo livre e perseguindo os cabritinhos... Mas, tudo é muito igual para toda criança na infância. Calma, Maria... Nunca antes do tempo...

         Eu vi o dia chegar, mais claro que os outros dias... A Senhora ao acordar, rezava a Deus e pedia:
       - Senhor, ele é apenas um menino!
        Saía a colher florezinhas pra enfeitar o caminho, por onde iria passar o Sagrado Jesus. Tentava suavizar as feridas, o coração alanceado e o peso da cruz, que no futuro viriam.
        Encontrei com Nossa Senhora, na beira do rio. Via que andava apressada a procurar o menino, que distraído corria e que inocente crescia. E só sua mãe já sabia.
Água vai, água vem cristalina das terras de Belém, lavando os pés do pastor... Jesus Cristo, o Salvador!
        Maria, agora é o tempo; o tempo da sua dor...
        Nossa Senhora dos Tristes... A que sempre me sorria, consola em mim sua agonia!


 Valéria Á. Cerqueira

* No ano de 1223, São Francisco, tentando reviver a ocasião do nascimento do Menino Jesus, festejou a véspera do Natal com os seus irmãos e cidadãos de Assis na floresta de Greccio. São Francisco começou então a divulgar a idéia de criar figuras em barro que representassem o ambiente do nascimento de Jesus. Assim criou o Presépio.