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quinta-feira, 23 de julho de 2020

Almoço






Ilustração - Fonte Internet

 

No teu prato quis fazer-te poesia,

Arrumando arranjos, beijo ambrosia,

De alfaces florais, ao meio-dia; 

Eram teus cinco anos e alguns dias.

Verdes tão claros, água. Turmalinas e mais...

Algas marinhas de esperanças, pérolas alvas quando tu me sorrias.

Quis servir-te sonhos, doces de alecrim e alegrias,

Para saciar-te a fome de raras perguntas e recentes geometrias.

Com espumas brancas de mar e açúcar confeitei glacês,

Fractais desenhados na toalha branca de linho.

Quis servir-te poemas de chocolate por sobremesa ...

Água fresca da talha, tão segura quanto a certeza. 

Quebrada a casca frágil porcelana,

Do ovo restou-te precoce a bela,

A emergente caligrafia. E me escrevias...

Clara a abrangência de sintagmas e enigmas,

Como luz acesa, de teu coração cartesiano;

Óbvia a lucidez de um teorema, que só tu vias.

Fervilha  tua cabeça atenta. Desvendo planos

De um menino de sonhos, peças de máquinas e cálculos...

Dar-te beijos, nesse instante, era o meu mais tímido projeto.

O garfo farto detém a ceia. Sobre o prato o ponto final.

A gema resta intocada e luzidia, entre a clara rota.

Deste-me o riso iluminado, quente, como um arquiteto,

Ardendo em muitos raios, reflexo repartido,sol,

Do sorriso de tua pequenina boca, então contido.


Autora: Valéria Áureo
To: Hubert A.C.S.Fonseca
In: As Folhas Devem Cair

Abril de 1988

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Anúncios e Encomendas




Vestidos, saias e rendas,
Laços, corpetes, vestidos com fendas...
A costureira faz roupas de festa e arranjos:
Organzas, crepes para o baile de debutantes.
Depressa! É hoje! As mocinhas vão dançar  o fandango.

Bombons, caramelos e refrigerantes,
Enfeites, balões, bolos de chantilly e morango.
A doceira faz doces de festa:
Brigadeiros, quindins, casadinho trufado
para o aniversário das crianças.
Depressa! É hoje! Os meninos vão dançar o sapateado.

Versos, poemas e sonetos,
Rimas de palavras assonantes...
A escritora escreve por encomenda:
Odes, sonetos, haicais e lendas.
Depressa! É hoje! Vamos dançar o minueto.

Autora : Valéria Áureo

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Tímido Trovador




Da recôndita plaga, a musa enganadora me sonda.
Conto de mim, distante do rio, separado dos dois ( terra e água).
Incrustado na Zona da Mata, dos verdes pastos e dos bois...
Canoa atada no fio da aurora, em cipó de embira,
Que em minh'alma amarrou mágoas.


Sou um pombense altivo, um típico mineiro,
Agreste, plantador de palavras, capoeiro,
Cultivo no papel, a lavoura da memória que me ronda - tímido trovador -
Cercando minh’alma em fios invisíveis de arame farpado ...

Eu tenho a cabeça briosa, mas os olhos para baixo, tangendo o gado,
Voltados pra água mansa, que rola em tênues ondas.
No entorno da cidade, toda forma de poema eu encaixo...
Aproveito a escrivaninha das montanhas do sudeste 

E me faço um diplomata, um sujeito discreto que se veste,
Sem uso do terno e da gravata, envolto em idiomas...
Sem embaixada, sem itinerário, ou acadêmicas dragonas.
Escrevo... E me emociono, me canso e falo baixo...

Nisso muitas cidades invado; com esse jeito reservado...
De costelas do corpo curvado; muito pouco eu ando...
Sofro com a aflição da distância ( sensação de um espinho torto e encravado).
Escrevo o poema da vida, sob inflexível e fatal encomenda,

De viver hoje, amanhã e sabe Deus até quando...
Oculto feito granito, sou pedregulho de distanciada ribeira.
Flamboyant centenário, chegada e partida na rodoviária.
Sou palmeira, barco de papel ... Sou pequena nau mineira.

Mata... Água da cachoeira... Tarde de sol e ladeiras.
Igreja da Matriz, Largo, Cine Prolar, Baixio e goteiras.
Sombreado pela antiga mangueira - pintei o sete, o 87, na Rua Domingos Inácio.
Homem feito, um sujeito triste... Faço do livro e da vida, um breve e discreto prefácio.

Sem terno e gravata eu ouso; invento-me e me atrevo perto da clareira,
Aproveito a bancada do barranco, a retórica, a idéia e escrevo.
E me disfarço num diplomata do mato, um orgulhoso caipira,
Curioso e atento ...  Tudo do Pomba nas saudades me inspira.



Autora : Valéria Áureo

 02/09/2009