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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

A Van Gogh



 




 (Quinze pedras por vez)

La Tristesse durera toujours...



Piso em pedras, escondo-me em frestas,

Corto os pés nas pedras do caminho impérvio.

Colho pedras, esmerilho, lapido, faço arestas.

Guardo pedras, me atrapalho, vislumbro vitrais

Com o característico ruído, corto quinas.

E o barulho do cascalho, em meu ouvido soletro.

Enriqueço os impérios, burilo diamantes.

Com meu suor e trabalho adorno cetro;

Com meu esforço intrépido não participo das festas.

Sustento vigas e cravo a pedra fundamental.

Pinto a Casa Amarela, procuro a pedra filosofal.

Ambiciono que de toda cor farei amarelo ouro.

Corto as mãos nas pedras, fabrico um tesouro.

Concebo, pinto o Vinhedo vermelho.

O vinho que não tomarei. Corto à navalha a orelha!...



Jogam-me pedras; que pouco valho.

Esgueiro-me nas trevas como andarilho.

Largam-me n'A Ponte debaixo da Chuva, no orvalho.

Vomito pedras, bílis e impropérios.

Tenho pedras nos rins... Absinto!

E uma pedra amarrada no pescoço.

Não como a carne, só roo o osso.

Ergo muros com pedras amarelas,

Nunca soube para que fins.

Se limites, se mortalhas para mim...

Se para conter minha fúria de moço.

Quebro pedras, cavando poços, minto!

Até me quebrarem, moerem os ossos...

Perco valiosas pedras; Desmaio... Epilepsia!

Peça por peça, o malogro. Xantopsia!







Invisto em pontos; tintas... uma de cada vez...

Aposto na rainha. O cavalo não tem pressa.

Carrego pedras nos ombros. Confio em promessa...

Escoro-me no muro de entulho, de escombros.

Ando descalço, há pedras nos sapatos dos reis...

Ergo-me a cada tombo, a cada desvio que faço.

Atiço Gauguin... Cada um tem sua cadeira.

Sobram-me pedras na boca. Grito asneira...

Tártaros e dentes gastos. Pinceladas!

Tintas enfeitavam-me os dedos.

Anéis se vão, ficam os retratos. A caveira.

Pedras nas mãos disfarçam-me os medos

Medos me fazem mais fraco, assustam-me os ratos.

Apedrejo os bichos com palavras emprestadas

Do vocabulário dos maltrapilhos e bêbados.





Pilho o dicionário procurando pedras,

Ou palavras impróprias... No dedo os gatilhos

E provas do meu profícuo palavrório.

Faço-me confuso, insano, ou simplório.

Impetro perdão. Procrastino, imploro. Pontilhos!

Escondo-me n'O velho Moinho; não mudo meu destino.

Falta-me no prato. Os comedores de batatas devoram.

Levo pedrada, recolho sobejos, babujos,

Nas entrelinhas, nos rodapés. Migalhas...

Apócrifos impublicáveis, sujos, das corjas...

Quadros. Entoo hinos... Obscuras tralhas

Incompreensíveis. A Noite estrelada, onde dormirei.

Louco, poeta, pintor! Ilusórios impérios.

Que epitáfio na frígida pedra enfim terei?

"Só meu irmão joga-me Girassóis cortados".



Autora: Valéria Áureo
In: Sono das Pedras