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quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Maria Deveria


 

Imagem - Internet


Maria, a menina do rosto triste e cavo,
Deveria ter os cabelos entrançados,
Para a tristeza não escorrer por seus ombros,
Nem se espalhar para todos os lados.
Deveria prender os fios de cabelo nos grampos
– para que ficassem ocultados -
Onde jazem os medos e os escombros
Nos cachos embaraçados.
Maria deveria
Amarrar as tranças, ao acordar, enquanto risse,
Em dois laços de fita de seda armadilha,
Que pudessem enlaçar e atrelar a amargura
E afastar de vez, o peso da densa melancolia,
Para que, enfim se repartisse,
E florescesse a sua meiguice,
Em tramas de uma doce figura.
Maria deveria...


Autora: Valéria Áureo
13/08/2020
In: As Folhas Devem Cair

domingo, 2 de agosto de 2020

Posto 9


                 Cerimônia de premiação - Prêmio UFF de Literatura - 2013.Vinicius de Moraes 100 Anos


Uma chega, de coração machucado,

Outra sai feliz e iludida,

Em paz com o namorado,

E o copo de uísque na mão.

Chega de saudade!... Ela diz.

Encontro! Six o’clock!

Ela é carioca... Com sorte

Na aposta se ganha o dote

E ele vem dançar o rock
No balanço do decote.

Asdrúbal trouxe o trombone...

Silêncio! Ligaram o microfone;

Ouvi gritar o meu nome.

“Simbora” pra Joana Angélica...

Antes de a festa acabar?

Não posso. Vou pegar meu violão.

Vou fazer uma canção.

Uma vem e é só soluço, colérica:

Você não soube me amar!...

Outra vai tentar a sorte

Ser a musa da South América.

Faz samba pra pedir perdão. Briga não!

Faz samba só por ciúme. Traí não!

Vem comigo para a praia... Chora não!

Que o amor permanece intacto,

Do primeiro ao último ato.

Segura a minha mão... Vai embora não!

Faz samba, para não perder o costume.

Faz samba pra contar o crime.

Desilusão. Nas bandas de carnavais:

Bela jeunesse dorée, filtro solar da fidelidade.

O democrático, o démodé amor total. Felicidade!

Areia de Ipanema; vim ver esta cidade,

Eu vim viver, vim namorar... Nada aqui é igual.

Beijo no cinema, surfe no Arpoador...

Vim beber a solidão,

Vim beber a minha dor.

Loura, morena, estrangeira,

Oh! Baybe, não...

Eu quero mais é ser feliz!...

Audácia, Leila Diniz,

Barriga de ventre livre

E o avião para a Austrália.

Gabeira tanga crochê...

Uma vem, outra vai,

Encobrindo a genitália.

O point do apito, dos novos mitos,

Nada, nada, nada... Sussurros e gritos.

Aplauso ao pôr do sol. Stop,

Que a lua já vem e a noite cai

Na Vinicius de Moraes.

Uma chega e outra sai.

Ritual de Ipanema às seis,

Passarela da praia e suas leis.

Loura, morena, mestiça brasileira,

Aplauso, assovios e vaias,

Verão após verão, nas pernas, nas curtas saias...

Quero passar, um weekend com você!

Hoje é dia de rock, de auê.

Um ano inteiro em cartaz...

Dando verde no Ibope.

Vem comigo, para o banco de trás!

Sem tristeza não se faz um samba não;

Sem alegria não se faz um poema não.

Partirei agora, gangue noventa, de vez...

Não me diga que está com medo

Do circo voador, dos beijos meus.

O amor não é brinquedo,

Ai... Eu chego aos sessenta e seis

E ela sai dos dezessete.

Eu fico, ela canta, ela vai...

Rindo, mascando chiclete.

Para se fazer um samba e ser feliz

É preciso ter beleza. Agora diz!

É preciso da beleza e da tristeza...

Faz... Faz samba pra dizer adeus.  
                            

   Autora: Valéria Áureo

13/12/2013
Poesia 1ª colocada no
Prêmio UFF de Literatura 2013 -Vinicius de Moraes 100 Anos
Antologia de Textos premiados - Poesia- Crônica- Conto; página 21- Editora da UFF.

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Almoço






Ilustração - Fonte Internet

 

No teu prato quis fazer-te poesia,

Arrumando arranjos, beijo ambrosia,

De alfaces florais, ao meio-dia; 

Eram teus cinco anos e alguns dias.

Verdes tão claros, água. Turmalinas e mais...

Algas marinhas de esperanças, pérolas alvas quando tu me sorrias.

Quis servir-te sonhos, doces de alecrim e alegrias,

Para saciar-te a fome de raras perguntas e recentes geometrias.

Com espumas brancas de mar e açúcar confeitei glacês,

Fractais desenhados na toalha branca de linho.

Quis servir-te poemas de chocolate por sobremesa ...

Água fresca da talha, tão segura quanto a certeza. 

Quebrada a casca frágil porcelana,

Do ovo restou-te precoce a bela,

A emergente caligrafia. E me escrevias...

Clara a abrangência de sintagmas e enigmas,

Como luz acesa, de teu coração cartesiano;

Óbvia a lucidez de um teorema, que só tu vias.

Fervilha  tua cabeça atenta. Desvendo planos

De um menino de sonhos, peças de máquinas e cálculos...

Dar-te beijos, nesse instante, era o meu mais tímido projeto.

O garfo farto detém a ceia. Sobre o prato o ponto final.

A gema resta intocada e luzidia, entre a clara rota.

Deste-me o riso iluminado, quente, como um arquiteto,

Ardendo em muitos raios, reflexo repartido,sol,

Do sorriso de tua pequenina boca, então contido.


Autora: Valéria Áureo
To: Hubert A.C.S.Fonseca
In: As Folhas Devem Cair

Abril de 1988

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Anúncios e Encomendas




Vestidos, saias e rendas,
Laços, corpetes, vestidos com fendas...
A costureira faz roupas de festa e arranjos:
Organzas, crepes para o baile de debutantes.
Depressa! É hoje! As mocinhas vão dançar  o fandango.

Bombons, caramelos e refrigerantes,
Enfeites, balões, bolos de chantilly e morango.
A doceira faz doces de festa:
Brigadeiros, quindins, casadinho trufado
para o aniversário das crianças.
Depressa! É hoje! Os meninos vão dançar o sapateado.

Versos, poemas e sonetos,
Rimas de palavras assonantes...
A escritora escreve por encomenda:
Odes, sonetos, haicais e lendas.
Depressa! É hoje! Vamos dançar o minueto.

Autora : Valéria Áureo

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Tímido Trovador




Da recôndita plaga, a musa enganadora me sonda.
Conto de mim, distante do rio, separado dos dois ( terra e água).
Incrustado na Zona da Mata, dos verdes pastos e dos bois...
Canoa atada no fio da aurora, em cipó de embira,
Que em minh'alma amarrou mágoas.


Sou um pombense altivo, um típico mineiro,
Agreste, plantador de palavras, capoeiro,
Cultivo no papel, a lavoura da memória que me ronda - tímido trovador -
Cercando minh’alma em fios invisíveis de arame farpado ...

Eu tenho a cabeça briosa, mas os olhos para baixo, tangendo o gado,
Voltados pra água mansa, que rola em tênues ondas.
No entorno da cidade, toda forma de poema eu encaixo...
Aproveito a escrivaninha das montanhas do sudeste 

E me faço um diplomata, um sujeito discreto que se veste,
Sem uso do terno e da gravata, envolto em idiomas...
Sem embaixada, sem itinerário, ou acadêmicas dragonas.
Escrevo... E me emociono, me canso e falo baixo...

Nisso muitas cidades invado; com esse jeito reservado...
De costelas do corpo curvado; muito pouco eu ando...
Sofro com a aflição da distância ( sensação de um espinho torto e encravado).
Escrevo o poema da vida, sob inflexível e fatal encomenda,

De viver hoje, amanhã e sabe Deus até quando...
Oculto feito granito, sou pedregulho de distanciada ribeira.
Flamboyant centenário, chegada e partida na rodoviária.
Sou palmeira, barco de papel ... Sou pequena nau mineira.

Mata... Água da cachoeira... Tarde de sol e ladeiras.
Igreja da Matriz, Largo, Cine Prolar, Baixio e goteiras.
Sombreado pela antiga mangueira - pintei o sete, o 87, na Rua Domingos Inácio.
Homem feito, um sujeito triste... Faço do livro e da vida, um breve e discreto prefácio.

Sem terno e gravata eu ouso; invento-me e me atrevo perto da clareira,
Aproveito a bancada do barranco, a retórica, a idéia e escrevo.
E me disfarço num diplomata do mato, um orgulhoso caipira,
Curioso e atento ...  Tudo do Pomba nas saudades me inspira.



Autora : Valéria Áureo

 02/09/2009

quinta-feira, 23 de abril de 2020

O verbo, a verba, o verso



O verbo solto, a verba presa.
A verba barra!
O político berra,
faz birra
e se borra.
Fecha a burra, presidente!


Autora: Valéria Áureo