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domingo, 23 de outubro de 2016

Sono das Pedras










Montanhas! Terras de natureza intocada,

De solos férteis, índios nus e pagãos.

Portugueses abrem-me chagas profundas com as mãos;

Bateias, pás, bicames, peneiras, canoas e agitadores,

Levam minhas pedras, provocam-me tamanhas dores.

Cravam-me ferros no ventre. Traficam escravos...



Recolhem no leito dos meus rios o pó dourado

Em posse execrável, o coração despedaçado.

Jazidas exauridas... Ouçam o meu grácil brado!

Cataguás, Caeté, Itambé, Itabira, Rio das Mortes

Para onde me levam? Que triste a minha sorte!...

Eu indefesa montanha virginal, vestida e oculta



Nas florestas tropicais embrenhadas brasileiras,

Mostro-me seminua a Portugal, que me desnuda;

Violentam-me com Bandeiras que me rasgam as castas vestes.

Roubam-me esmeraldas, diamantes, ouros e pratas.

Toda verde, cordilheira corrompida, dilacerada, choro.

Deixam-me exposta, ao deleite da astúcia estrangeira,



Levam-me à Europa, aos pedaços, disfarçada em âmbulas.

Dão-me beijos em Coimbra,  nos cetros, nos anéis e nas campânulas,

No bairro alto dos sonhos, nas capas e cantos dos bacharéis.

Sofro!  Imploro aos filhos dos coronéis, nos palácios de Lisboa.

Eu sinto saudades da minha terra;  eu, derretida na coroa,

Escoada nas calhas,  nas areias de distantes rios que faíscam.



Uns garantem-me a Pátria, no meio da noite, nos santos ocos.

Ourives! Seios de ouro eu tenho. Rotunda, verde e formosa

Em curvilíneas montanhas, contidas  no meu berço;

Busto, firmes ancas preciosas de raras turmalinas,

Nas formas femininas das Minas... Açafata das rainhas.

Nada mais sou que delicadíssimo e rico adereço.



Lavra-me, livra-me a coroa portuguesa ferina

Das vísceras o quinto da recôndita riqueza.

Sonegação e degredo; derrama... Desfaleço.

Sou aviltada e indefesa noiva na  própria cama,

Ouro em pó, em mãos de imigrantes sequiosos,

Cujas tramas adornam os faustos das cortes europeias...



Aos pés do Itacolomi correm veios, entre as pedras,

Que lançam os fundamentos de uma cidade que emerge,

Por cujas ruas percorrem minhas ardentes lágrimas

Das jazidas áureas e  dos ideais da liberdade.

As minhas matas aos poucos vão restando pálidas.

Vila Rica/ Ouro Preto na alma de Minas Gerais.





Emboabas, Capitania das Minas, desmembrada geografia

Dura extração, interposta etnia. Sinto-me tão fria.

Portugueses, paulistas, negros, índios, imigrantes

Misturam-se e formam um mosaico cultural.

Dragões sufocam rebeliões. Meu aspecto é magoado.

Tudo em torno eu ouço e gravo do povo  revoltado.



Há sussurros, no ideal de quem conspira e clama.

Choram por mim os notívagos inconfidentes;

Lutam e se escondem... Morre por mim Tiradentes.

Eis a efervescente sociedade mineira, democrática.

Grita o politizado povo mineiro então nascente:

Um Estado Moderno, de cultura sem precedentes!...



Vilas, rica arquitetura... Mecenas e mestres de genialidade

Patrocinam o Barroco Mineiro de esplendorosa dramaticidade.

Poetas! Seios de ouro eu tenho. Rotunda, verde e formosa

Em curvilíneas montanhas contidas  eu adormeço cálida...

Sono de pedras; terras de natureza pródiga, brasileira,

Aurífera poesia e pó... Palavras, pedras e poeira.



Autora: Valéria Áureo
In: Sono das Pedras