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sexta-feira, 26 de maio de 2017

Leilão ( Poesia do Descontentamento)




Quanto é que me dão
Por um Estado falido:
Um pacote, dois malotes,
Três envelopes...
Faltando trinta e cinco mirreis
No lote?
Quanto é que me dão, meus senhores,
Por uma maleta vazia,
Que já foi proxeneta valiosa
E já pagou tanta orgia?

Quanto, enfim, valem os tonéis,
Os segredos, encontros e os papéis...
Dos ditos e poderosos coronéis?
Quanto é que me dão? Senhores:
Os vinhos, talheres e as joias da coroa,
A baixela e a faixa da presidência,
E das ruas os violentos clamores?
Quanto vale esta maleta:
Já comprou governador, juiz e a tia,
A irmã, a esposa e a amante,
Em negociata cara e desonrosa
E acelerada decadência?
Quanto me dão, meus senhores,
Nesse montante
De horrores?
Para pagar a falência,
Os truques dos poderosos?
Quanto é que me dão pela sacola,
Que foi vazia e voltou cheia de joia,
Que adornou ministro e atriz,
A título de esmola?
Quanto é que me dão por um político
Inclemente,
Um deputado, um senador, ou presidente,
Advogado, ou um empreiteiro feliz?
Um povo passando fome
Insultando e brigando ente si,
Enquanto os corruptos indecentes
Enchem as burras e as valises
E se divertem com suas meretrizes,

Ocultos em seus codinomes?...
Quanto é que me dão pela lista...
Daqueles que ocultam seus nomes
E se dizem inocentes
Gozam e morrem de rir?
Quanto me dão pela Esplanada,
Câmara, Congresso pagos em milhões,
Bilhões, trilhões e “estalecas”,
Onde ninguém não viu nada?
Ninguém nunca soube e nunca viu?
Nada no Palácio Alvorada!
Quanto é que me dão pelo Brasil?
Quanto vale esta merreca?


Autora: Valéria Áureo
26/05/2017

terça-feira, 23 de maio de 2017

O Trem





O trem treme no trilho

E traz trezentos trabalhadores.

O trem vem de Petrópolis.

Trinta e três desembarcam atrasados,

Duzentos e sessenta e sete

Seguem viagem...Outros na estação.

Treze sentam atrás.

Os outros sentam à frente.

O cobrador atrapalhado

Troca três por dois trocados.

No trânsito congestionado,

Todos pedem passagem.

Só o trem não fica travado.

Na trama do trilho o trem vai...

No atrito do tráfego entroncado,

Só o trem não se atrapalha:

O trem nunca erra o trajeto,

Nunca deixa a estrada de ferro

Segue a viagem... Abafa o berro.

Traz atriz, traz trapezista,

Traz trombone, traz artista
Traz espartilho e saia.

Traz tranca para porta de trinco,

Traz trova, traz travesseiro e prato.

Traz o trágico professor de teatro.

Traz trecos, traz trupe, atores...

Traz índio da tribo tabajara...

Traz trapos e cobertores.

Traz estrondo dos tambores

E tropas de cavalos e burros.

O trem todo dia trabalha,

Já carregou mais de um trilhão

De tralhas e gente em frangalhos.

Traz cacarecos. Traz trigo, traz milho,

Apetrechos, trevos, bonecos e grilos,

Jogadores, tabuleiros e baralhos.

O trem nunca pega a contramão.

No fim da viagem, troca de carro e carvão.

O foguista enfim descansa

E apaga a grande fornalha.

O motorneiro trava a cancela,

Apaga o cigarro de palha.

O trem para na estação,

Faz barulho de trovão

Chia, treme e solta fumaça:

Piu ... Piu ...

E esvazia o vagão, 

O carregador descarrega a bagagem,
O passageiro entrega a passagem,

E o palhaço faz graça e trapaça
E afaga a pança em ridícula massagem.

Francisco toca o trombone na praça

E todo mundo alegre se abraça.




Autora: Valéria Áureo

Poesias Infantis In: Carrossel de Vento



domingo, 7 de maio de 2017

O café



No café das duas horas,
Meu coração comprometido,
Fica dolorido e chora.
É hora em que a emoção recolhe
Os ansiosos sonhos, e me escolhe,
Eu, que tenho tantos anos percorridos.
Olho pra trás destoado, em desenganos,
Enternecido pela mão do tempo.

Às duas horas é meu tempo de saudade
Em que eu sorria para minha mãe.
Acariciadas em afagos mudos, eu e ela,
Configurando em suave lentidão, a minha idade.
E nós plantamos as mesmas samambaias,
Os mesmos beijos e as mesmas dálias,
Dependuradas, cada uma, nos vãos,
Desse jardim suspendo, insólito, desbravado,
Magnífico, etéreo, iluminado,
Erguido a quatro mãos.

No café da tarde ainda colho flores
Dessas saudades, que plantei aqui,
Sanguíneas, rosas encarnadas,
Cujo perfume destilei de ti.

Há ternura às duas da tarde,
Há violetas e palavras soltas,
E chuva, planos, um café, mais outro...
O eterno afago das mãos de minha mãe
Entre o café, o bolo, o pão e o biscoito...

Às duas horas é meu tempo de saudade
Em que eu sorria para minha mãe.


Autora: Valéria Áureo
In: Sentimento Disponível

sábado, 6 de maio de 2017

Caixinha


Fiz uma caixinha de cetim,
Rendinhas, rococós e laçarotes
E pus pedrinhas e marfins.
Guardei ali muitos sonhos
De rosa, hortênsia, jasmim.
Cheirava a gerânio e dálias
E suspiros e saudades
E lilases e camélias.
Tinha véus e suaves madrepérolas,
Madressilvas, alfazema, violetas,
Luzes, luzes, borboletas...
Era caixa para quarto de meninas,
Para Patrícia, Valéria, Margareth e Elizabeth.
Cor-de-rosa, perfumada, azul celeste...
Para guardar bilhetinhos encantados
E broches e medalhas e santinhos.
Era caixa para guardar coisas de moça.

Guardei batom, florezinhas,
E pus perfume e ternura
E amor , dentro de um maço
De rosas, trigo e azevins...
Cobri tudo com um laço
Brilhante de nostalgia
E mandei com um abraço
Para a mãe guardar para mim.


Autora: Valéria Áureo
In: Sentimento Disponível