Montanhas! Terras de
natureza intocada,
De solos férteis, índios
nus e pagãos.
Portugueses abrem-me chagas
profundas com as mãos;
Bateias, pás, bicames, peneiras, canoas e agitadores,
Levam minhas pedras,
provocam-me tamanhas dores.
Cravam-me ferros no ventre.
Traficam escravos...
Recolhem no leito dos meus
rios o pó dourado
Em posse execrável, o
coração despedaçado.
Jazidas exauridas... Ouçam
o meu grácil brado!
Cataguás, Caeté, Itambé, Itabira, Rio das Mortes
Para onde me levam? Que triste a minha sorte!...
Eu indefesa montanha
virginal, vestida e oculta
Nas florestas tropicais
embrenhadas brasileiras,
Mostro-me seminua a
Portugal, que me desnuda;
Violentam-me com Bandeiras
que me rasgam as castas vestes.
Roubam-me esmeraldas,
diamantes, ouros e pratas.
Toda verde, cordilheira
corrompida, dilacerada, choro.
Deixam-me exposta, ao
deleite da astúcia estrangeira,
Levam-me à Europa, aos
pedaços, disfarçada em âmbulas.
Dão-me beijos em
Coimbra, nos cetros, nos anéis e nas
campânulas,
No bairro alto dos sonhos,
nas capas e cantos dos bacharéis.
Sofro! Imploro aos filhos dos coronéis, nos palácios
de Lisboa.
Eu sinto saudades da minha
terra; eu, derretida na coroa,
Escoada nas calhas, nas areias de distantes rios que faíscam.
Uns garantem-me a Pátria,
no meio da noite, nos santos ocos.
Ourives! Seios de ouro eu
tenho. Rotunda, verde e formosa
Em curvilíneas montanhas,
contidas no meu berço;
Busto, firmes ancas
preciosas de raras turmalinas,
Nas formas femininas das
Minas... Açafata das rainhas.
Nada mais sou que
delicadíssimo e rico adereço.
Lavra-me, livra-me a coroa
portuguesa ferina
Das vísceras o quinto
da recôndita riqueza.
Sonegação e degredo;
derrama... Desfaleço.
Sou aviltada e indefesa
noiva na própria cama,
Ouro em pó, em mãos de
imigrantes sequiosos,
Cujas tramas adornam os
faustos das cortes europeias...
Aos pés do Itacolomi correm
veios, entre as pedras,
Que lançam os fundamentos
de uma cidade que emerge,
Por cujas ruas percorrem
minhas ardentes lágrimas
Das jazidas áureas e dos ideais da liberdade.
As minhas matas aos poucos
vão restando pálidas.
Vila Rica/ Ouro Preto na
alma de Minas Gerais.
Emboabas, Capitania das
Minas, desmembrada geografia
Dura extração, interposta
etnia. Sinto-me tão fria.
Portugueses, paulistas, negros,
índios, imigrantes
Misturam-se e formam um mosaico
cultural.
Dragões sufocam rebeliões. Meu
aspecto é magoado.
Tudo em torno eu ouço e gravo do
povo revoltado.
Há sussurros, no ideal de quem
conspira e clama.
Choram por mim os notívagos
inconfidentes;
Lutam e se escondem... Morre por
mim Tiradentes.
Eis a efervescente sociedade
mineira, democrática.
Grita o politizado povo mineiro
então nascente:
Um Estado Moderno, de cultura sem
precedentes!...
Vilas, rica arquitetura... Mecenas
e mestres de genialidade
Patrocinam o Barroco Mineiro de
esplendorosa dramaticidade.
Poetas! Seios de ouro eu
tenho. Rotunda, verde e formosa
Em curvilíneas montanhas
contidas eu adormeço cálida...
Sono de pedras; terras de
natureza pródiga, brasileira,
Aurífera poesia e pó... Palavras,
pedras e poeira.
Autora: Valéria Áureo
In: Sono das Pedras
In: Sono das Pedras