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quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Alamedas






Caminho para a estrada...
A estrada que nunca vem.
Canto melodia solitária de homem do povo
Exposto ao riso de quem me vê andar assoviando.
Sinto-me perdido na alameda centenária da cidade.
Sou teimoso e não me intimido nem um pouco.
Demoro-me volvendo os calcanhares na atmosfera de escárnio.
Assim faço o mundo girar sob meus pés... Aperto o passo.
É dessa forma que prossigo, apesar de tudo e do maldizer.
Um ritmo pachorrento de cidade do interior banha-se em minhas lágrimas.
Em minhas caricaturas, em minhas pantomimas desenha-se um traço de urbanidade.
Como qualquer gente do mundo eu tenho cá meus maus dias...
Quando eu era rapaz eles eram tão raros, mas agora, recomposto homem maduro, as ternuras vão-se dispersando cada vez mais no tempo e mais atenção tenho dado às brutalidades.
São elas que me envolvem como uma mortalha.
Era preciso que um rapaz de vinte anos renascesse em mim, para que eu voltasse a sorrir mais amiúde,
Que fosse mais jovial, para que eu me desse conta das coisas boas que me visitam.
Nisto, e em tudo mais, o amor poderia ressurgir como um segredo dito aos meus ouvidos.
Ora só tenho dado atenção ao homem caído no meio da rua; ao tiro que estilhaça minha vidraça, ao pequeno menino e seu olhar melancólico; ao bêbado e seu vômito, ao assassino
E ao vagabundo nu.

Tenho esquecido as árvores, as alamedas...
E nisto, e em tudo mais, toda a gente daqui se parece; anda alarmada com imagens que o mundo ainda não repeliu: mendigos dormindo no colo das estátuas.
Se eu me comovo, uns zombam da minha maneira sensível
E afirmam que me atenho ao passado, que quero prolongar a juventude e fugir desta cidade...
Entre as palavras deles, veementes, escolho as minhas...
Entre carros que percorrem as ruas,
Vislumbro mães, as mais humildes e seus beijos universais.
Bem sei que a fala da cidade não comove os homens, mas o luxo dos shoppings os ilude.
Tenho pra mim que minha simplicidade os inibe
Tanto quanto as árvores seculares e sagradas.
Sei que costumam dormir, enquanto os arrebatados, como eu, inauguram o futuro e me criticam com tantas palavras, que como ventanias varrem as ruas...
Só os mais humildes, de memória e passado, me compreendem.

Autora: Valéria Áureo