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quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Sozinhez...

Foto Hubert :Trindade






Estares só, acompanhado de ti mesmo.





Não fecharei os olhos, nem um instante... Quero estar atento diante do que me apregoas, enquanto ouço o que não falas comigo... O que dizes, silenciosamente, sem palavras, tem sentido para mim.  Tão compreensível o que me retratas, no teu mutismo; impróprio se me pedes para não considerar, como se eu pudesse te desmentir o estilo e o apuro. Falas do que era para mim, antes imponderável sentimento; o tal desassossego de ter muita gente por perto interrompendo pensamentos e intuições. Eu sem poder abraçá-las, como se fôssemos velhos companheiros, ao se tornaram tão distantes. Ah! O tal desassossego da alma... Evento que nem tinha nome, posto que incerto, em que ela desatina a correr para campos vazios. Era dor sutil e miúda como inquietação em véspera de aguaceiro. Coisa desconsiderável, imperceptível nas urgências do dia-a-dia para as pessoas mais insensíveis. Febrícula, mal estar de indefinição e duração breve, mas remissiva e intermitente. Amiúde vai e vem numa cantilena de nos fazer excêntricos, anti-sociais e arredios. Coisa de coração sorumbático; maleita, banzo, cisma de gente da roça que vai se isolando aos poucos, só para ficar parecido com aqueles morros distantes, na saída da cidade. Vontade de ser sozinho, na maioria das vezes, retirante de si, para as lonjuras que o espírito alcança sem companhia... Sair, muito pouco, senão para universos em que o tempo não conta. Ver gente, menos ainda... Raramente alguma coisa do lado de fora nos diz acontecimento significativo, que não o que já vem do quotidiano, que se entorna pelas portas abertas do mundo e nos aborrece. Não tenho culpa alguma, nem sei explicar o caminho que a multidão toma; toda ela desatenta, sem querer repartir-se, expatriada, abrindo mão do querer bem.

De agora em diante bem sei que não se trata mais de solidão, como eu cria; apenas sozinhez; o que pode ser muito bom, para quem tem a si mesmo como homem de confiança e não se perde em confidências aos menos confiáveis. Melhor estar mesmo só... Útil e providencial como um silêncio respeitoso em que a alma se liberta e faz jejum de palavras e o corpo se abstém de comidas. O homem inteiro se bastando na suficiência das águas do rio e do silêncio. Não precisarei de almofadas, incenso e flor de lótus para meditar; nem de solidão para estar comigo mesmo, a partir de então. Estarei entregue à sozinhez...

Eis que tu vieste me explicar a diferença entre solidão e sozinhez. Desse dia em diante meu isolamento ficou mais rico, habitado por muitos “eus; outras vezes por “outros de mim mesmo” E, por sozinho que ficar eu nunca mais estarei em solidão ou abatido. Estimarei que seja uma sensação mais agradável e menos dolorosa que o estar plenamente sem ninguém. Apenas reluto em estar acompanhado, quando não há mais justificativa nos enganos dos outros e na falta de afeto. Mas, quando o desejo for de sozinhez, nada haverá que me impeça, pois numa multidão sempre saberei me mostrar sozinho, único, inabalável. E acolhedor para mim e para os outros, quando for preciso...

Tu tinhas me explicado a capacidade de estares só, sentindo-te acompanhado de ti mesmo.



Valéria Áureo