Foto Hubert :Trindade
Estares
só, acompanhado de ti mesmo.
Não fecharei os olhos, nem um instante... Quero estar atento diante do que me apregoas, enquanto ouço o que não falas
comigo... O que dizes, silenciosamente, sem palavras, tem sentido para mim. Tão compreensível o que me retratas, no teu mutismo;
impróprio se me pedes para não considerar, como se eu pudesse te desmentir o
estilo e o apuro. Falas do que era para mim, antes imponderável sentimento; o
tal desassossego de ter muita gente por perto interrompendo pensamentos e
intuições. Eu sem poder abraçá-las, como se fôssemos velhos companheiros, ao se
tornaram tão distantes. Ah! O tal desassossego da alma... Evento que nem tinha
nome, posto que incerto, em que ela desatina a correr para campos vazios. Era
dor sutil e miúda como inquietação em véspera de aguaceiro. Coisa
desconsiderável, imperceptível nas urgências do dia-a-dia para as pessoas mais
insensíveis. Febrícula, mal estar de indefinição e duração breve, mas remissiva
e intermitente. Amiúde vai e vem numa cantilena de nos fazer excêntricos,
anti-sociais e arredios. Coisa de coração sorumbático; maleita, banzo, cisma de
gente da roça que vai se isolando aos poucos, só para ficar parecido com
aqueles morros distantes, na saída da cidade. Vontade de ser sozinho, na
maioria das vezes, retirante de si, para as lonjuras que o espírito alcança sem
companhia... Sair, muito pouco, senão para universos em que o tempo não conta.
Ver gente, menos ainda... Raramente alguma coisa do lado de fora nos diz acontecimento
significativo, que não o que já vem do quotidiano, que se entorna pelas portas
abertas do mundo e nos aborrece. Não tenho culpa alguma, nem sei explicar o
caminho que a multidão toma; toda ela desatenta, sem querer repartir-se, expatriada, abrindo
mão do querer bem.
De agora em diante bem sei que não se trata
mais de solidão, como eu cria; apenas sozinhez; o que pode ser muito bom, para
quem tem a si mesmo como homem de confiança e não se perde em confidências aos
menos confiáveis. Melhor estar mesmo só... Útil e providencial como um silêncio
respeitoso em que a alma se liberta e faz jejum de palavras e o corpo se abstém
de comidas. O homem inteiro se bastando na suficiência das águas do rio e do
silêncio. Não precisarei de almofadas, incenso e flor de lótus para meditar;
nem de solidão para estar comigo mesmo, a partir de então. Estarei entregue à
sozinhez...
Eis que tu vieste me explicar a diferença entre
solidão e sozinhez. Desse dia em diante meu isolamento ficou mais rico,
habitado por muitos “eus; outras vezes por “outros de mim mesmo” E, por sozinho
que ficar eu nunca mais estarei em solidão ou abatido. Estimarei que seja uma
sensação mais agradável e menos dolorosa que o estar plenamente sem ninguém.
Apenas reluto em estar acompanhado, quando não há mais justificativa nos
enganos dos outros e na falta de afeto. Mas, quando o desejo for de sozinhez,
nada haverá que me impeça, pois numa multidão sempre saberei me mostrar
sozinho, único, inabalável. E acolhedor para mim e para os outros, quando for
preciso...
Tu tinhas me explicado a capacidade de estares
só, sentindo-te acompanhado de ti mesmo.
Valéria Áureo